Bode

Adormecido

Aos homens livres e de Bons Costumes

CRESCE A INTOLERÂNCIA NO JAPÃO





O Japão é um país de 130 milhões de habitantes, 377.000 km2 de área superficial, grande potência tecnológica, excelente clima de paz social, com apenas 0,4 assassinatos por 100.000 habitantes, e um PIB global de 4,125 trilhões de dólares, o qual define o país como a terceira maior economia do planeta. Não bastasse toda esta pujança, o Japão é um país tão organizado e o seu nível de civilização é tão elevado, que é a única nação do mundo onde não há saques durante a ocorrência de catástrofes naturais. Mas ninguém é perfeito, e, como os outros povos, os japoneses têm que se cuidar. Também o Japão tem problemas, e precisa estar atento para impedir que o país ande para trás e siga o caminho do retrocesso. É o que diz o Professor de Ciência Política da Universidade Hosei, de Tokyo, Jiro Yamaguchi, que manifesta sua preocupação com este assunto em artigo recente publicado no Jornal The Japan Times: Temos testemunhado incidentes chocantes que apontam para uma deterioração da sociedade japonesa. Um ex-funcionário de uma casa de repouso para pessoas com deficiência, em Sagamihara, Kanagawa, Japão, supostamente atacou aquela instituição no final de julho, matando 19 moradores e ferindo outros 26. O suspeito foi submetido à avaliação psiquiátrica para se conhecer sua competência mental, e não ficou claro naquele momento se ele podia ou não ser responsabilizado penalmente. Mas, meses antes do suposto crime, o agressor tinha enviado uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados dizendo que as pessoas com deficiência são um pesado fardo para a sociedade e que o melhor que se podia fazer era condená-los a uma morte misericordiosa. O suspeito parece ter sido impulsionado pela crença na eugenia, assim como os nazistas. Recentemente, um âncora de notícias da TV expressou em seu Blog algumas opiniões chocantes – disse que o sistema de saúde pública deveria ser desmantelado; que os pacientes com doença renal em diálise deveriam pagar a despesa total do tratamento porque os mesmos ficaram doentes devido às suas próprias ações, e que pacientes que não pudessem cobrir sua próprias despesas deveriam ser submetidos à morte misericordiosa, opiniões estas que geraram grandes repercussões. Mas, apesar das críticas generalizadas, ele se retratou e a emissora de TV que o emprega não pretende afastá-lo do seu programa. Na disputa pela liderança do Partido Democrata neste mês, alguns direitistas na internet atacaram a candidata vencedora, Renho, por sua dupla cidadania japonesa-taiwanesa, e o Jornal Sankei Shimbun concordou, em seu editorial, que ela não estava qualificada para liderar um partido político. Quando Renho nasceu, a Lei Japonesa que trata da Nacionalidade definia que a candidata, que tem pai taiwanês e mãe japonesa, teria que assumir a nacionalidade de seu pai. Foi só depois da reforma da lei, em 1985, que ela conseguiu a nacionalidade japonesa. O problema não teria surgido, em primeiro lugar, se a Lei da Nacionalidade, desde o início tivesse permitido às pessoas escolherem a nacionalidade de um dos pais. Neste caso, a única lição é que possamos refletir sobre o fato de que o nosso país tinha uma lei machista sobre a Nacionalidade. Fiquei desapontado ao ver os deputados do Partido Democrático abalados com as críticas dos direitistas. Na Europa, o populismo de direita está a alimentar a discriminação racial em resposta a um afluxo de migrantes. No Japão, as minorias raciais e religiosas são pequenas, mas, em contrapartida, as pessoas com deficiências e doenças em nosso país tornam-se alvo de bullying social. O assassinato em massa em Sagamihara pode ter sido um caso extremo, fora do contexto, mas, discriminar pessoas com deficiência e/ou doenças porque alguém as considera um fardo pesado para a sociedade pode não ser um fato novo para a sociedade japonesa. Até recentemente, no entanto, essas opiniões ultrajantes foram banidas da esfera de discurso público, assim como os argumentos que discriminam as pessoas com base em seu nascimento. O princípio de que a dignidade e a vida das pessoas devem ser respeitadas incondicionalmente já é, há muito tempo, aceito entre nós. Entretanto, ainda hoje, há tentativas ultrajantes de negar tais princípios; as pessoas em posições de liderança na sociedade japonesa, especialmente políticos e executivos de organizações de mídia de massa, não reagem com firmeza no sentido de proteger a vida e a igualdade. Essa é a essência da crise que ameaça a sociedade japonesa. O primeiro-ministro Shinzo Abe pode ser ele próprio um racista, mas há um grande número de políticos do governo e do partido no poder que alimentam a discriminação racial e têm laços estreitos com uma organização que divulga o discurso do ódio. Uma empresa que distribui programas na internet, em que a TV Asahi tem uma participação, espalha publicamente os piores tipos de discurso de ódio racista. Esse comportamento vem em forte contraste com o do presidente dos EUA, Barack Obama, que, resolutamente, combate o racismo sempre que em seu país ocorrem incidentes acompanhados de discriminação. A igualdade e dignidade das pessoas, que estão consagradas na Constituição, são ideais difíceis de alcançar. Mas, se os ideais forem negados, a civilização moderna poderá entrar em colapso e a sociedade degradará, retornando a um estado bárbaro dominado pelas baixas paixões humanas. A administração Abe e o Partido Democrático Liberal estão tentando abrir discussões no Congresso, no sentido de fazer alterações na Constituição. Mas que tipo de discussão sobre a Constituição será realizada neste país que não questiona essa velada discriminação? Os políticos que tomam parte nas discussões constitucionais devem, em primeiro lugar, deixar claro qual é a posição deles frente a essa recente onda de crimes de ódio e de incitação ao ódio. Em uma democracia, precisamos reafirmar constantemente a importância dos princípios - não importa quão complicado isso possa vir a ser. Elias Mansur Neto

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